Fonte: G1 – Bárbara Muniz Vieira
Tartaruga-verde morta em praia suja; calcula-se que prejuízo para o ecossistema marinho seja de US$ 8 bilhões por ano — Foto: Robson Santos/Arquivo Pessoal
Imagens inéditas da necropsia de uma tartaruga-verde que morreu após encalhar em uma praia na costa brasileira hoje são usadas pelo biólogo Robson Guimarães dos Santos como forma de conscientizar a população sobre os riscos de jogar plástico no lugar errado. As imagens são fortes e foram feitas em 2012 como parte da pesquisa de doutorado de Santos, hoje professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
A divulgação do vídeo, que o G1 reproduz parcialmente acima, é uma das formas que ele encontrou de chamar a atenção para uma ameaça ambiental que começa com o consumo de objetos feitos de plástico. Após o descarte, o material pode seguir diversos caminhos, mas, se não recebeu o destino correto, é provável que provoque danos como a morte de um dos animais mais característicos da costa brasileira.
“A ingestão de plástico é hoje um dos principais problemas para a conservação das espécies de tartarugas marinhas tanto pela mortalidade direta como por todos os problemas crônicos decorrentes de sua ingestão, como contaminação por poluentes, por exemplo”, diz Santos.
De acordo com o professor, uma tartaruga-verde juvenil só precisa ingerir meio grama de plástico para morrer. Elas o ingerem ao confundi-lo com alimento, e então o material obstrui o trato gastrointestinal dos animais. Isso quer dizer que a tartaruga fica impedida de comer e realizar outras funções fisiológicas, levando-a a um emagrecimento crônico e podendo prolongar o sofrimento por bastante tempo até ela morrer.
Foi o caso da tartaruga no vídeo acima. A necropsia apontou a ingestão do plástico como causa da morte. Isso é comum no Brasil. A pesquisa de doutorado do biólogo, feita na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), avaliou 255 tartarugas-verdes encontradas mortas e encalhadas ao longo da costa brasileira de 2009 a 2013, e descobriu que em média 70% delas tinham ingerido plástico. Em alguns pontos do país, esse número chega a 100%.
De acordo com especialistas, a pesca acidental — quando o pescador lança a rede e pega acidentalmente animais que não tinha intenção — ainda é a principal causa de morte de tartarugas no Brasil. Mas é a ingestão de plástico a mais difícil de combater.
“A pesca pode ser regulada de um dia para o outro, mas o plástico não. Calcula-se que atualmente há 5 trilhões de fragmentos de plástico flutuando nos oceanos em todo o mundo”, diz o pesquisador.
Plástico e pesca acidental não são os únicos inimigos da vida marinha. A falta de saneamento básico, como mostram os dados levantados pelo G1 para o Desafio Natureza, volta a ser um problema demonstrado pelas tartarugas.
Da cidade para o mar
Não é difícil uma tartaruga marinha ingerir plástico que foi consumido no continente. Um estudo feito pela Associação de Educação Marinha, dos Estados Unidos, e publicado em 2015 na revista Science, avaliou dados de 2010 referentes a 192 países que têm alguma costa nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, além do Mar Mediterrâneo e do Mar Negro.
O objetivo era avaliar como o lixo feito de plástico produzido em terra vai parar no mar. O resultado encontrado pela pesquisadora é que, naquele ano, a falta de gestão adequada do lixo fez com que 8 milhões de toneladas de plástico jogado fora fossem parar na água salgada.
Outros números sobre o plástico já são conhecidos: um copo leva pelo menos 200 anos para se decompor, já uma garrafa PET precisa de mais de 400 anos para desaparecer.
“O plástico começa a ser produzido em escala industrial na década de 1950, e parte deste material está até hoje no ambiente e provavelmente ainda permanecerá aí por mais algumas décadas. Apesar de o governo ter grande responsabilidade pela gestão do lixo, a poluição dos ambientes é um problema de difícil resolução, e o indivíduo é uma peça importante neste processo””, afirma o professor Robson dos Santos, da Ufal.
Contaminação que volta ao homem
Mas se engana quem pensa que só as tartarugas se alimentam do plástico que é jogado fora de maneira inadequada. Como o homem faz parte da cadeia alimentar, o plástico que contamina a água e afeta a biodiversidade marinha chega também à nossa alimentação.
Em um relatório divulgado neste ano, a organização não governamental WWF (Fundo Mundial para a Natureza), afirma que a contaminação de macro, micro e nanoplásticos já atinge os solos, águas doces e oceanos. “A cada ano, seres humanos ingerem cada vez mais nanoplástico a partir de seus alimentos e da água potável, e seus efeitos totais ainda são desconhecidos”, diz o documento.
O problema, segundo o pesquisador, é que estamos indo na direção oposta das soluções.
“A produção e uso de plástico continuam aumentando, e atualmente no mundo nós incineramos mais plástico do que reciclamos. O poder do indivíduo é maior na mitigação deste problema do que em outros casos, pois parte do problema deriva das nossas escolhas do dia a dia, mas nós também precisamos implementar políticas internacionais de combate à poluição por plástico”, diz Robson.
Para o pesquisador, em um nível individual, mais importante do que dar a destinação correta para o plástico que consumimos no dia a dia, é reduzir o consumo.
“A principal mensagem não é necessariamente jogar o lixo no lixo, mas, sim, reduzir o consumo. O plástico é muito difícil de ser manejado e até em lugares que têm uma boa gestão de resíduo sólido há grande poluição por plástico porque ele é leve e durável”, afirma.
Além disso, segundo Robson, um caminho importante seria implementar um sistema de logística reversa para as empresas que produzem produtos que utilizem embalagem plástica, responsabilizando-as, assim, pela reutilização e destinação apropriada do resíduo.
“Como nós vamos lidar com este problema global nos próximos anos pode servir como um termômetro de nossas possibilidades de sucesso na mitigação dos demais problemas ambientais de escala global, como o aquecimento global e a crescente perda da biodiversidade”, conclui o professor.