O Brasil conta com inúmeras praias fascinantes para aproveitar, surfar ou simplesmente relaxar. Porém, não é todo mundo que consegue curtir a beleza das orlas brasileiras, já que são raros os locais acessíveis a pessoas com deficiência (PcD), idosos, ou pessoas com mobilidade reduzida. A questão da acessibilidade nas praias é extremamente importante e precisa ser resolvida com urgência.
Na ROUTE Brasil, temos o prazer de contar com uma voluntária especialista nesse assunto. Denise de Siqueira, cadeirante, é pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina, membro do grupo internacional SandS (Surf & Sustainability Researcher Group) e do grupo NED (Núcleo de Estudos sobre Deficiência), da psicologia. Conversamos um pouco com ela para entender melhor sobre a importância de praias acessíveis para todos.
Denise de Siqueira, voluntária da ROUTE
Acessibilidade nas praias: um direito constitucional
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI), editada em 2015, assegura e promove, em iguais condições, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por todas as pessoas, inclusive pessoas com deficiência.
Sendo assim, como está na lei, a acessibilidade no Brasil hoje é uma obrigação, não uma recomendação, e muito menos um favor. Todas as pessoas têm o direito de aproveitar os espaços sozinhos, com familiares, amigos ou como bem entenderem, sem empecilhos físicos que impossibilitem esse processo.
De acordo com Denise, existe uma culturalização da condição de inferioridade. Muitas pessoas com deficiência foram acostumadas a serem deixadas dentro de casa e, quando alguma política é aplicada, elas têm uma gratidão submissa, quando não deveriam. Como já foi dito, a acessibilidade é um direito constitucional, não um favor.
Resolver essa questão não é difícil, pelo contrário, é bem simples. E tem muita coisa que precisa mudar.
Pessoas com deficiência e a luta anticapacitista
Capacitismo é o preconceito direcionado a pessoas com deficiência. Segundo a especialista Denise, o primeiro discurso que precisa ser combatido é o discurso capacitista.
Imagem: Creative Commons
Assim, o primeiro passo nessa luta deve ser a quebra de estereótipos que foram naturalizados e que não são naturais. A sociedade enxerga as pessoas com deficiência em dois extremos: ou como pessoas inferiores, ou como super heróis. E tudo isso está relacionado ao preconceito. “Não queremos ser exemplo de superação, não queremos ser exemplo de nada, só queremos ter uma vida normal igual a todos”, contou Denise.
Outra ideia que precisa mudar é a de que resolver essa questão é algo caro. Tornar os locais acessíveis para todas as pessoas não deve ser visto como um gasto, e sim como um investimento, visando o bem-estar da população.
Além disso, outro fator importante é que, mesmo se for pensado de uma forma egoísta, ou seja, pensando somente em si próprio, a acessibilidade nas praias e em todos lugares ainda deve ser uma preocupação de todos. Isso porque todos os seres humanos vão vivenciar alguma situação de deficiência durante a vida: seja ela permanente, temporária (como uma perna quebrada), ou com a idade.
Por exemplo, uma calçada organizada ajuda na caminhabilidade não só de PcD, como também idosos, gestantes, entre outros, que poderão caminhar com mais segurança.
Desse modo, se essas questões forem resolvidas, todos terão uma vida digna. Denise ressalta que essa luta tem como missão levar esse entendimento para as pessoas: a acessibilidade não é uma questão individual.
O que é uma praia acessível?
Para uma praia ser considerada acessível, ela tem que permitir o acesso e a permanência de qualquer pessoa que queira frequentá-la. Ela precisa ter rampas de acesso, esteiras de areia, cadeira anfíbia e banheiros acessíveis.
Sendo assim, para resolver esse problema é necessário pensar em duas palavras: simplicidade e autonomia. Ou seja, pensar de maneira simples e dar o máximo de autonomia possível para as pessoas. “É isso que dá dignidade para elas”, Denise afirmou.
De acordo com ela, um bom exemplo de praia acessível é a praia de Santos, em São Paulo. Denise ressaltou que o grau de acessibilidade dessa praia é surpreendente, já que possui frota de ônibus totalmente acessível, acessibilidade na orla e banheiros acessíveis. Dessa forma, as pessoas com deficiência podem aproveitar a praia com tranquilidade, sem a necessidade de ir embora rápido.
Imagem: santos.sp.gov.br
Acessibilidade nas praias: os maiores desafios
Com toda a certeza, o maior desafio para trazer acessibilidade para as praias brasileiras é o envolvimento da sociedade e dos gestores públicos.
Em alguns lugares, esse cenário está mudando, mas não pelo motivo pelo qual deveria. Isso porque as PcD estão sendo vistas como um nicho de mercado. “Às vezes, para convencer, tem que ir pelo discurso econômico, não pelo social”, relatou Denise.
Por exemplo, quando uma pessoa com deficiência viaja, ela gasta dinheiro. Por isso, os gestores se preocupam com a questão da acessibilidade. Mas eles não pensam na pessoa, e sim no lucro que vão ter com essa pessoa. Isso tira a humanidade da ação.
Portanto, podemos perceber que as praias brasileiras não são nem um pouco acessíveis, e essa questão precisa ser resolvida. Melhorar a acessibilidade nas praias é essencial, não só para pessoas com deficiência, como também para todos.