POR IBGE
O IBGE divulgou hoje (23) uma atualização dos indicadores que medem a qualidade de vida da população brasileira. Os dois índices foram divulgados pela primeira vez em 2021, com dados da última edição da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), de 2017-2018. Agora, os cálculos foram estendidos para as informações da edição anterior da pesquisa (2008-2009). Enquanto o Índice de Desempenho Socioeconômico (IDS) avalia o progresso socioeconômico a partir da renda, o Índice de Perda de Qualidade de Vida (IPQV) identifica as privações que as pessoas enfrentaram.
As perdas, mensuradas pelo IPQV, são efeitos das dificuldades que as famílias têm para transformar os seus recursos e aquisições de bens e serviços em qualidade de vida. Esse índice alcança temas como bem-estar, desigualdade, exclusão social e pobreza e traz recortes variados, segundo as características das pessoas de referência das famílias (cor ou raça, sexo, idade) e renda. O estudo identificou que entre os principais fatores que afetam essa conversão estão as próprias características das famílias, os aspectos da sociedade e os locais onde vivem.
Os indicadores foram elaborados a partir de nove temas: renda, moradia, acesso aos serviços de utilidade pública, saúde, educação, acesso aos serviços financeiros e padrão de vida, alimentação, transporte e lazer e viagem. Algumas características que foram consideradas na identificação das perdas foram a ausência de banheiro no domicílio, pouco espaço em casa e a avaliação sobre o próprio lazer da família.
“A partir dos indicadores de cada dimensão, é possível calcular a perda que cada pessoa tem [em sua qualidade de vida], como ter um lazer considerado ruim ou passar tempo demais no transporte”, explica o analista da pesquisa, Leonardo Oliveira. A partir desse cálculo, e do total dos elementos, é estimada a função de perda de cada pessoa.
IDS aumenta no Brasil e em todas as Unidades da Federação
De 2008-2009 a 2017-2018, tanto o Brasil como todas as Unidades da Federação tiveram aumento na qualidade de vida e bem-estar, medido pelo Índice de Desempenho Socioeconômico (IDS), que passou de 5,452 para 6,147, uma variação de 12,8%. Ao incluírem-se as aquisições não monetárias de serviços, captadas apenas na edição 2017-2018, o IDS passa para 6,212.
“O índice de desempenho socioeconômico é o resultado da quantidade de recursos gerados por uma sociedade e a perda de qualidade de vida que ela sofre em determinado período. Tal índice permite comparar as diferentes UFs em uma métrica comum que desconta do progresso econômico as perdas apontadas pelo IPQV”, explica Oliveira.
Os maiores incrementos no IDS ocorreram em Roraima (32%), e Sergipe (25,8%) onde a renda disponível familiar per capita (RDFPC) é mais baixa que a média nacional, enquanto Rio Grande do Sul (9,1%) e Rio de Janeiro (5,6%) tiveram os menores incrementos.
O analista explica que para o IDS de estados com rendas muito elevadas, pequenos incrementos do IPQV podem anular os benefícios gerados pelos crescimentos de renda. Por outro lado, áreas com renda mais baixa, ao apresentarem aumento real na RDFPC e/ou melhoria no IPQV, conseguem ter um impacto mais significativo no IDS.
“Mesmo em áreas com RDFPC mais elevada e que já tenham ampla disponibilidade de hospitais, saneamento básico, boa rede de transporte público etc., é importante a manutenção e ampliação destes serviços para uma evolução no IDS”, observa.
O Distrito Federal registrou o maior valor de IDS em 2017-2018: 6,923 contra 5,969 no período anterior, com alta de 16,0% e ultrapassando São Paulo, que ocupava o topo em 2008-2009. O crescimento do IDS de São Paulo no período foi de 10,3%.
Já Roraima obteve o melhor desempenho, com acréscimo de 32,0% do IDS. Deve-se destacar que este estado foi o que teve a redução mais significativa no IPQV (-47,0%), acompanhado do maior aumento da RDFPC, 70% (de 674,65 para R$ 1.148,39). “Isto demonstra que além da melhoria do desempenho econômico proveniente do ganho da renda, a população avançou na qualidade de vida em múltiplas dimensões não monetárias”, analisa Oliveira.
Em situação oposta está o Rio de Janeiro, que foi a UF com menor incremento no IDS no período (5,6%). Este estado teve o menor aumento de renda real do período, apenas 3,1% (de R$1.645,97 para R$1.696,88), e a menor queda no IPQV (-22,2%). Outros destaques foram Maranhão e Pará, que embora tenham mostrado crescimento nos seus respectivos IDS, 18,3% e 16,8%, permaneceram como os mais baixos do país, 4,841 e 5,067, respectivamente.
Serviços não monetários impactam mais na qualidade de vida onde IDS é mais baixo
Ao se observar os valores do IDS considerando-se as aquisições não monetárias de serviços, das 27 Unidades da Federação, apenas nove tiveram resultado superior ao registrado para o Brasil (6,212), incluindo todas da Região Sudeste e Sul. O Distrito Federal (6,981) e São Paulo (6,878) foram as que apresentaram os maiores valores. Maranhão (4,909) e Pará (5,108), os menores.
“Ao compararmos os IDS com e sem as aquisições não monetárias de serviços, observamos que nos estados da Região Nordeste, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rondônia essas aquisições tiveram maior importância”, ressalta o analista.
Educação e Acesso aos serviços financeiros e padrão de vida tiveram os maiores impactos no IDS
É possível analisar como as mudanças em cada aspecto da qualidade da vida (Moradia, Serviços de utilidade pública, Saúde e alimentação, Educação, Acesso aos serviços financeiros e padrão de vida, Transporte e lazer) impactam no resultado do IDS por meio da observação de suas contribuições para a soma dos efeitos marginais que provocam. O efeito marginal mede o impacto ou importância da dimensão. Assim, nas dimensões com maiores contribuições, as perdas de qualidade impactam mais negativamente o IDS.
Em 2017-2018, Educação e Acesso aos serviços financeiros e padrão de vida foram as categorias que tiveram mais importância na composição dos efeitos marginais para o Brasil, com percentuais em torno de 19%. Já Moradia representou 16,1% e Acesso aos serviços de utilidade pública e Saúde e alimentação, 14% do total dos efeitos marginais observados no resultado do IDS.
“Quando há um maior equilíbrio na contribuição de cada dimensão, o bem-estar daquela sociedade ocorre de forma mais balanceada. Todas as dimensões apresentaram percentuais significativos, o que demonstra uma necessidade de ações estratégicas integradas e planejadas em diferentes áreas para se combater as perdas na qualidade de vida”, avalia Oliveira.
No Maranhão, estado com menor IDS em 2017-1028, a maior contribuição veio de Acesso aos serviços financeiros e padrão de vida (19,1%) e a menor, de Transporte e lazer (14,4%).
Já no Distrito Federal, maior IDS entre as UFs, a dimensão Transporte e lazer registrou a maior contribuição para o total dos efeitos marginais, com 22,3%. Saúde e alimentação também merecem destaque, pois sua contribuição de 17,8% foi a maior desta dimensão entre os estados.
“Outro aspecto interessante sobre o DF é que não foi observada grandes diferenças entre os impactos das demais dimensões no resultado do IDS. Sendo assim, o maior IDS do Brasil é construído a partir de um equilíbrio entre as diversas dimensões que compõem a qualidade de vida da população”, conclui Oliveira.
Perda de qualidade de vida foi maior em famílias com a pessoa de referência preta ou parda
Entre a POF 2008-2009 e a edição mais recente da pesquisa (2017-2018), houve redução na perda de qualidade de vida da população, passando de 0,227 para 0,157 no período de quase dez anos. Isso representa uma retração de quase 30%. O índice (IPQV) vai de 0 a 1: quanto mais perto de 0, menor a perda da qualidade de vida.
Na análise por cor ou raça da pessoa de referência da família, a pesquisa constatou desigualdades nas perdas de qualidade de vida entre os grupos analisados. Nas duas edições da pesquisa, o IPQV era maior para os domicílios em que a pessoa de referência era preta ou parda, ou seja, havia mais privação de elementos que garantem melhor qualidade de vida para esses grupos.
Na POF 2017-2018, o IPQV foi de 0,183 quando a pessoa de referência era preta ou parda, enquanto foi de 0,122 quando ela era branca. Para todos os grupos, houve redução frente à POF 2008-2009. Apesar disso, a contribuição para o IPQV para o Brasil como um todo foi distinta, uma vez que a população que vivia em famílias de pessoa de referência preta ou parda respondeu por mais de 60% das restrições para o país. A contribuição para o IPQV total do país sofre influência da proporção da população e também das perdas registradas por um determinado grupo.
Quando a pessoa de referência da família era mulher, o IPQV foi maior nas duas edições da pesquisa. Assim como no critério de cor ou raça, também houve redução no valor de perda de qualidade entre os quase dez anos. Nesse período, aumentou o número de famílias em que a pessoa de referência era mulher e, por isso, a contribuição dessa população para o IPQV passou de 28,2% para 43%. Como as famílias que tinham um homem como pessoa de referência eram maioria no país, esse grupo contribuiu com mais de 50% do valor do IPQV total.
A pesquisa também constatou que as perdas na qualidade de vida caem à medida que aumenta a idade da pessoa de referência. Nas famílias em que a pessoa de referência tinha 65 anos ou mais, os valores para o IPQV foram menores que os dos demais grupos de idade.
Entre os dois períodos da pesquisa (2008-2009 e 2017-2018), houve redução nos valores de IPQV de todos os grupos de idade. Na edição de 2008-2009, o IPQV foi de 0,247 para as pessoas que viviam em famílias com pessoa de referência de até 24 anos. Já entre as famílias com pessoa de referência de pelo menos 65 anos, o índice foi de 0,217. A diferença entre os grupos foi reduzida quase dez anos depois: os valores foram de 0,167 e 0,155 na edição 2017-2018, respectivamente.
O índice também mediu a perda de qualidade vida quando há criança na família. Em ambas as edições da pesquisa, o IPQV era maior quando a família era composta por mais de um adulto com ao menos uma criança. O valor nesse caso ficou acima do estimado para o total do país.
Como também concentrava a maior parte da população, esse tipo de arranjo familiar foi o que mais contribuiu para o total das perdas no Brasil, em relação aos outros grupos analisados. A segunda maior foi do arranjo familiar formado por mais de um adulto sem criança, sendo cerca de 20,0% com dados da POF 2008-2009 e aproximadamente 25% a partir dos dados da última pesquisa.
Perda de qualidade de vida também é associada ao nível de instrução
Outra observação da pesquisa é a de que quanto maior era o nível de instrução da pessoa de referência da família, menores as perdas representadas pelo indicador. Quando a pessoa de referência não tinha instrução, o IPQV calculado foi de 0,253, maior que o valor observado para o total do país (0,157). Já quando a pessoa de referência tinha nível superior completo, esse valor foi de 0,074, muito menor que o valor de referência nacional, a partir de dados da POF 2017-2018.
Apesar de haver redução dos valores das perdas para todos os grupos no recorte por nível de instrução quando comparados à edição anterior, a desigualdade entre eles permaneceu.
No critério de inserção no mercado de trabalho, mais da metade do valor do IPQV se concentrou nas famílias cuja pessoa de referência era trabalhador por conta própria, estava fora da força de trabalho, quando a pessoa não está trabalhando e não está buscando vaga no mercado de trabalho, ou outros casos (desempregado ou ocupado auxiliando algum membro do mesmo domicílio). Nesse caso, também houve influência do maior contingente dessas populações no total do país.
O índice calculado para o trabalhador por conta própria foi 0,177, enquanto esse valor foi 0,173 quando a pessoa de referência estava fora da força de trabalho e outros casos, segundo os resultados a partir da POF 2017-2018. Nesses grupos, os valores foram maiores do que aqueles observados para o índice que considera as perdas de toda a população brasileira.
Ainda nesse recorte, as maiores perdas de qualidade de vida foram registradas pelas pessoas que viviam nos domicílios em que a pessoa da referência era empregado doméstico (0,201). Entre as duas edições da pesquisa, houve redução nos valores para esse grupo.
Também há diferenças quando analisada a renda. Considerando a RDFPC, os valores de perdas diminuíam à medida que o rendimento cresce. Cerca de metade das pessoas, concentradas até o quinto décimo de rendimento, ou seja, as que ganhavam menos, representavam cerca de dois terços das perdas calculadas para o país.
Considerando os resultados da POF 2017-2018, enquanto o resultado do IPQV para o primeiro décimo de renda foi de 0,264, o valor para o último décimo foi de 0,061. A pesquisa também fez uma razão entre os dois extremos e observou que o valor de perdas de qualidade de vida para o primeiro décimo de RDFPC foi de pelo menos quatro vezes o valor do décimo de maior renda.
O analista da pesquisa compara esses dados aos da edição de 2008-2009. “No período, todos os décimos de rendimento tiveram melhoras na qualidade de vida, na medida em que as perdas se reduzem. Mas as perdas continuam concentradas nos dois primeiros décimos”, afirma Oliveira.
Perda de qualidade de vida é maior no Norte, no Nordeste e nas áreas rurais do país
Entre as duas últimas edições da POF, o IPQV calculado para a área urbana passou de 0,205 para 0,142 e, no caso da área rural, de 0,337 para 0,244. A população que vivia em área urbana contribuiu com cerca de 75% do IPQV nacional. Embora cerca de 15% estivessem concentrados na área rural do país, o grupo representou 25% das perdas, ou seja, um valor bem acima da representação do contingente na população total.
Já entre as grandes regiões, o Norte (0,223) e o Nordeste (0,207) apresentaram as maiores perdas, acima do IPQV nacional. Enquanto o Sul (0,114) e o Sudeste (0,126) tiveram valores inferiores à média nacional, o Centro-Oeste (0,158) registrou um IPQV muito próximo ao do país (0,157).
A pesquisa também calculou a importância de cada dimensão avaliada na composição do IPQV. Para isso, foi mensurado o valor do índice se não houvesse perdas de qualidade em cada uma das dimensões analisadas individualmente. A diferença entre o IPQV e o mesmo índice recalculado sem as perdas de uma dimensão se chama efeito marginal.
A partir dos dados de 2017-2018, observou-se que os efeitos marginais têm valores próximos ao cenário em que todas as dimensões teriam a mesma contribuição (1/6 ou 16,7%). Isso significa que ainda que a dimensão saúde e alimentação tenha tido menor participação do que a educação, nenhuma das dimensões avaliadas respondeu individualmente pela maior perda da qualidade de vida das pessoas, ou seja, essas restrições têm origem multidimensional.
Na comparação entre os dois períodos, as dimensões Moradia e Transporte e Lazer foram as que apresentaram as maiores diferenças em relação aos efeitos marginais. No espaço de tempo entre as duas edições da pesquisa, a dimensão Moradia aumentou sua parcela sobre a soma dos efeitos marginais de 9,2% para 16,0%, mas, em termos absolutos, esses efeitos ficaram praticamente estáveis. Isso ocorreu porque a mudança das demais dimensões alterou a contribuição relativa da Moradia, como o tema Transporte e Lazer, que caiu de 24,4% para 17,3%.
Mais sobre a pesquisa
A Pesquisa de Orçamentos Familiares disponibiliza informações sobre a composição orçamentária doméstica, as condições de vida e o perfil nutricional da população. Dando seguimento a série de estudos para avaliar a qualidade de vida no Brasil, esta publicação faz uma análise temporal do tema, a partir do cálculo do Índice de Perda de Qualidade de Vida (IPQV) e do Índice de Desempenho Socioeconômico (IDS) relativos às edições de 2008-2009 e 2017-2018.