POR G1
Quatro dos seis principais rios da Bacia Amazônica, a maior do mundo, chegaram ao nível mais baixo já registrado no histórico de medições para o mês de setembro, segundo um relatório do Sistema Geológico Brasileiro (SGB) e da Agência Nacional de Águas (ANA) ao qual o g1 teve acesso.
A estiagem recorde atinge os rios Amazonas, Negro, Branco e Purus, que são essenciais para a vida na região: além de leitos da biodiversidade, são hidrovias, fonte de água e de energia. E as perspectivas são desoladoras: especialistas apontam que os rios podem levar até quatro anos para voltarem a níveis normais.
O relatório do SGB e da ANA mostra o cenário mais recente dos seis principais rios da bacia, que são, além dos quatro citados acima, o Madeira e Solimões. A bacia como um todo tem mais de mil rios.
Nos gráficos abaixo, os dados mostram as variações dentro dos anos hidrológicos (o comportamento do rio em 12 meses) com informações de toda série histórica para cada rio. O recorde anual é batido no dia em que a medição demonstra o menor nível já registrado. Observando o mês de setembro, esse foi o pior da série histórica nos quatro rios.
Gráfico mostra série histórica de nível de vazão (volume) no rio Negro — Foto: Sistema Geológico do Brasil
Veja os recordes em cada rio:
- RIO NEGRO: no rio que serve o porto de Manaus e escoa a produção da zona franca, a seca á e maior dos últimos 120 anos no mês de setembro. A medição no rio começou em 1902. A seca no rio fez a capital do Amazonas decretar situação de emergência.
- RIO BRANCO: o rio fica entre Roraima e o Amazonas, mas é o principal recurso hídrico do estado de Roraima, sendo o único fornecedor de água do estado. Nesta temporada de seca, ele registrou o menor nível de água desde 1967.
- RIO PURUS: o percurso do rio passa por dezenas de municípios entre Acre e Amazonas. Ele concentra uma importante rota de pesca para os estados. Em sua série histórica, há duas áreas de medição, que mostraram datas diferentes para o recorde histórico. No trecho do Acre, teve o menor nível de água desde 1967, quando começaram as medições. E em Beruri, o menor desde 1982. Foi no local que uma vila desabou em evento de terras caídas, agravado pela seca.
- RIO AMAZONAS: as medições no rio são divididas em três áreas e as três bateram o recorde na série histórica. No trecho de Careiro, é o menor nível desde 1977. Em Itacoatiara, é o menor desde 1998 e, em Parintins, o menor desde 1974.
Nos outros dois rios incluídos no levantamento, Madeira e Solimões, os índices não chegaram ao recorde histórico no período, mas se aproximaram dos piores índices já registrados.
Os especialistas alertam que o pior momento de seca nesta temporada ocorre em outubro e com recordes e tendências pessimistas para as vazões, é possível que se aproximem do recorde histórico anual.
Impactos da estiagem pelo país
O impacto recente acontece no Norte e no Centro-Oeste, mas gera reflexo em todo o país em vários aspectos. Veja abaixo:
- SECA NOS RIOS GERA EFEITO CASCATA
Os rios são interligados, ou seja, as águas de um rio são distribuídas em suas ramificações. Em uma bacia como a Amazônica, que tem cerca de mil rios, a seca cria um efeito cascata. A previsão é de que, no médio prazo, isso impacte outros estados.
- SISTEMA DE ENERGIA INTERLIGADO
No Brasil, o sistema de energia não é independente. As usinas são conectadas e servem ao sistema que abastece o país como um todo. Com a estiagem, usinas no Norte estão sendo impactadas e isso pode ocasionar o desabastecimento não só da região, mas de parte do sistema nacional.
A usina hidrelétrica de Santo Antônio, abastecida pelo Rio Madeira, e que teve a operação completamente paralisada nesta semana é a maior do país e serve a região Sudeste. Essas pausas acabam por “sobrecarregar” o sistema.
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LOGÍSTICA
A região Norte é um centro agrícola e abriga a Zona Franca, que fica em Manaus, e que concentra várias das maiores produtoras de eletrônicos do país. A principal via de transporte na região é pelas águas. No entanto, com a baixa dos rios, a navegação pode ser complicada e afetar a distribuição dos produtos.
O Rio Negro, por exemplo, é onde está o porto que escoa a Zona Franca e já está sendo afetado. A situação acontece perto de uma das datas de maior demanda por eletrônicos no país, a Black Friday, prevista para novembro.
A região é produtora de soja e milho, importantes commodities. Segundo o Ministério da Agricultura, existe uma preocupação com o escoamento da produção no milho com a baixa dos rios.
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AGRICULTURA
A seca tem impactado a plantação em vários desses estados, especialmente a agricultura familiar. Um levantamento do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) mostrou que agricultores de 79 municípios tiveram a produção afetada. Isso reduz a oferta de insumos não só na região, como no país.
Previsão de mais seca
O g1 teve acesso ao mapa produzido pelo Cemaden e apresentado a órgãos do governo federal nesta semana com a previsão da situação dos rios no país até janeiro de 2024.
Os tons de laranja e marrom, que dominam a maior parte do território brasileiro, mostram os rios com previsão de volume abaixo da média.
Mapa mostra previsão de estiagem para os rios no Brasil — Foto: Arte/g1
O especialista do Cemaden Márcio Moraes, que integra a sala de crise da Região Norte, explica que os rios são interligados e a baixa vazão recorde pode afetar rios de outras regiões.
Ele reforça a preocupação com o abastecimento de energia.
“Tem pontos nessa bacia que tem as hidrelétricas. Se a seca permanecer como na previsão, as usinas vão ter que desligar turbinas e como todo o sistema nacional é interligado, vai afetar todo o nosso sistema de distribuição de energia. É uma questão nacional”, diz.
Moraes explica que a recuperação do nível dos rios é algo a longo prazo e que a expectativa é de que possa levar até quatro anos para que se estabilize os níveis normais.
Causas da seca severa
Estamos na estação seca na região Norte, quando a vazão dos rios normalmente se reduz. Mas, neste ano, dois fenômenos mudaram o comportamento das chuvas em todo o país e podem afetar o restante do mapa: El Niño e o aquecimento do Atlântico Tropical Norte.
- O El Niño provoca o aumento da temperatura das águas do Oceano Pacífico Equatorial.
- O aquecimento do Atlântico Tropical Norte faz que as águas fiquem mais quentes.
A água dos oceanos mais quentes de cada lado do continente modificou a circulação do ar na atmosfera e direcionou a chuva mais ao sul do mapa.
O meteorologista do Cemaden Giovani Dolif explica que é como se houvesse uma bexiga cheia de ar e você apertasse um dos lados dela.