POR EM
O efeito ótico no asfalto, que parece se mover, e o suor que escorre mesmo à sombra são impactos de um calor implacável, que ontem chegou a 39°C nos bairros Cenáculo, Europa e Minascaixa, na Região de Venda Nova, na capital mineira. Uma elevação de 4,1°C quando comparado à medição da Estação Pampulha do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), segundo a Defesa Civil de Belo Horizonte. As ondas de calor que vêm castigando o centro do Brasil podem trazer essa mesma sensação causticante a pelo menos 63 bairros e vilas da capital mineira até 2030, caso a situação do clima, preservação ambiental e condições da população não se alterem.
É o que mostra a reportagem do Estado de Minas, por meio da projeção “Vulnerabilidade a ondas de Calor 2030”, encomendada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). A regional mais preocupante é a de Venda Nova, com 60% dos bairros situados na projeção entre os mais vulneráveis. A PBH informa que tem estudos para acompanhamento das mudanças climáticas e planos como o de Redução de Emissões de Gases Efeito Estufa (Pregee), com 99 ações de adaptação e mitigação e o Plano Local de Ações Climáticas.
As ondas de calor mais intensas e duradouras do que as que elevaram as temperaturas de Belo Horizonte ao recorde de 38,6°C, na Estação Pampulha, em 25 de setembro deste ano, serão mais frequentes até 2030, de acordo com essas projeções.
Vinte bairros de Venda Nova, seis da Região Nordeste, cinco da Noroeste, 11 da Norte, quatro da Pampulha, quatro da Oeste, quatro do Barreiro, cinco da Centro-Sul e quatro da Leste estão incluídos na lista da vulnerabilidade. A situação de Venda Nova como regional detentora de pontos de extremo calor, as chamadas ilhas de calor, foi mostrada pela reportagem em 21 de setembro, quando um termo-higrômetro mediu a temperatura de 37,7°C na região, 6,1°C acima da temperatura média da cidade para aquele dia e no início da vigência da onda de calor que passava pela cidade naquele momento.
Em 27 de setembro, a reportagem do EM registrou temperatura de 40,2°C em uma das ilhas de calor da cidade com o uso do mesmo equipamento, no encontro das Avenidas Vilarinho e Dom Pedro I, na altura da bacia de contenção de cheias. A temperatura do asfalto chegava a 55°C, obrigando as pessoas a se abrigarem em sombras.
“A duração das ondas de calor tende a ser maior e a se concentrar da porção central até a porção norte do município. Venda Nova apresenta os maiores valores do indicador, sendo as regionais Norte, Noroeste e Nordeste as mais afetadas”, indica a avaliação das projeções. A vulnerabilidade a ondas de calor reúne a evolução da incidência dos fenômenos, a exposição a eles, a sensibilidade da população exposta, os impactos potenciais e a capacidade de adaptação. “A regional Venda Nova é a mais vulnerável de Belo Horizonte, com alguns bairros como Cenáculo, Europa, Minascaixa e Conjunto Minascaixa com os piores índices ” nessa área, indica a avaliação das projeções.
DESIGUALDADE
A metodologia proposta no estudo do impacto das ondas de calor na saúde no contexto urbano integra aspectos populacionais como idade, renda e densidade (sensibilidade) e aspectos climáticos como ondas de calor e ilhas de calor (exposição). Os segmentos mais frágeis e vulneráveis da população, notadamente crianças até 5 anos e idosos acima de 65 anos, serão seriamente afetados. De acordo com o estudo, o déficit de adaptação às mudanças climáticas” é maior nas populações mais pobres “devido ao pouco acesso aos recursos financeiros e às precárias condições de moradia”.
“A maior sensibilidade às ondas de calor se concentra em áreas conhecidas por grandes adensamentos populacionais e pela baixa renda. Áreas que apresentam grande natalidade e quantidade de idosos, como os bairros Jardim Vitória, Capitão Eduardo, Trevo, Confisco, Bonsucesso, Diamante, e em várias vilas”, cita o estudo. Por outro lado, grandes áreas com baixíssima sensibilidade estão onde há população temporária, como o Câmpus da UFMG, Aeroporto da Pampulha, Zoológico, Granja Werneck, Parque das Mangabeiras e Rola-Moça.
A regional Pampulha apresenta a maior variação dos índices de vulnerabilidade a Ondas de Calor 2030, com áreas arborizadas, vazios territoriais e proximidade à orla do lago desempenhando a menor projeção de incidência das elevações de temperatura. Ao mesmo tempo, apresenta também espaços com índices entre os mais graves do município nos seus dois bairros mais vulneráveis: Confisco e Trevo.
Apesar de exibir a menor vulnerabilidade, a regional Centro-Sul tem hotspots (ilhas de calor e áreas vulneráveis) concentrados em suas vilas e favelas. Barreiro e Oeste são as regiões menos afetadas.
Dias insuportáveis
“Primeiro esse calor absurdo. Aí, na semana passada, chuva e dias menos quentes. Agora já esquenta de novo. Acho que aquele futuro em que enfrentaremos um grande aquecimento do planeta e muita dificuldade já chegou”, afirmou o professor Hely Costa Júnior, de 44 anos, ao voltar na tarde de ontem (4/10) dos exercícios diários sob um sol de 39°C. O professor fazia seu treino no Bairro Minascaixa, em Venda Nova, um dos 20 que poderá enfrentar mais dias de extremo calor como esse na regional, segundo projeção até 2030 encomendada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
Hely disse desconhecer o dado trazido pela reportagem do Estado de Minas de que o mesmo destino pode se abater sobre 63 bairros da capital se nada for feito. “Isso (o bairro está dentro da zona de vulnerabilidade para ondas de calor) é novidade para mim. Mas a gente meio que percebe, porque os dias estão insuportáveis. Muito quentes, quase não venta, muita secura, sobretudo no início da tarde. Para trabalhar e até aguentar dentro de casa é só com ar-condicionado, ventilador e se hidratando o tempo todo”, afirma.
No Bairro Vizinho, o Cenáculo, também dentro da projeção escaldante, as noites do ourives aposentado Aílton de Oliveira, de 73, têm sido infernais por causa do calor. “Não durmo direito. Passo a noite toda molhado, suando, pregando. Aí a gente que é idoso sofre, levanta a noite inteira, vira travesseiro, vira a cama e nada resolve. Tem piorado porque estão destruindo o planeta. Mas tem muita gente falando e pouca coisa acontecendo. O tempo ficou doido”, define.
Levando-se em conta os dados da população por bairros de Belo Horizonte, os habitantes que se encontram sob os efeitos mais abrangentes das ondas de calor projetadas para 2030, caso mantidas as condições atuais, em Venda Nova ultrapassariam os 145 mil, em mais de 44,5 mil domicílios. A regional toda tem 44 bairros e vilas oficiais e uma população de 265 mil habitantes que vivem em 82 mil domicílios. Os bairros mais populosos são o Céu Azul, com 23.006, o Jardim dos Comerciários (21.238), o Piratininga (21.149), o Santa Mônica (20.768) e o Mantiqueira (20.282).
O estudo apontou maior vulnerabilidade em 20 bairros – que podem ter todo ou parte de seus territórios afetados (veja quadro). Nos 14 bairros totalmente vulneráveis às ondas de calor – Mantiqueira, Nova York, Esplendor, Paraúna, Europa, Cenáculo, São Pedro, Minascaixa, Canaã, Piratininga, Leblon, Lagoa, Céu Azul e Mangueiras – vivem 108,5 mil pessoas; metade das áreas do Letícia e Vila Satélite, com 7,8 mil habitantes, entra na lista, à qual se moma partes dos bairros Serra Verde, Copacabana, Monte Carmelo e Vila São João Batista, com 28,7 mil habitantes.