POR BBC NEWS BRASIL
Você provavelmente já teve esse problema: você pede um suco para saborear no almoço, um café gelado numa tarde de calor ou um drink na sexta-feira à noite, e ele chega com um canudo de papel de cores brilhantes.
Depois de alguns goles, porém, o canudo começa a se desfazer, forçando você a retirá-lo e deixá-lo sobre a mesa, produzindo uma poça de bebida sobre a superfície.
Os canudos de papel tornaram-se quase onipresentes em bares e lanchonetes, à medida que o setor de alimentação se apressou em abandonar o plástico em resposta à demanda dos consumidores.
Mas, embora não permaneçam no meio ambiente por cerca de 300 anos, como aqueles feitos de plástico, os canudos de papel deixam muito a desejar.
Um estudo recente também destacou outra possível preocupação.
Descobriu-se que os canudos de papel avaliados por pesquisadores da Universidade da Antuérpia, na Bélgica, contêm mais “produtos químicos eternos” — substâncias per e polifluoroalquil ou PFAS — do que o plástico.
Esses PFAS de longa duração podem permanecer no ambiente durante décadas, contaminar o abastecimento de água e estão associados a uma série de problemas de saúde.
Os pesquisadores responsáveis pelo estudo afirmam que seus resultados sugerem que os canudos de papel — além dos de bambu, que também continham PFAS — não são necessariamente uma alternativa mais sustentável ao plástico.
Os níveis elevados de produtos químicos eternos que eles contêm, dizem os pesquisadores, podem ser considerados como um ponto questionável para o quanto estas alternativas são de fato “biodegradáveis”.
Buscando alternativas
Como alguém que começou a adotar alternativas aos canudos de plástico há quase uma década, fiquei com vontade de saber mais.
Queria saber também sobre outros fatores que precisam ser levados em conta, como as emissões que agravam as mudanças climáticas produzidas a partir de diferentes tipos de canudos.
Uma estimativa não muito científica, mas muito repetida, calcula o número de canudos descartáveis utilizados todos os dias nos EUA em 500 milhões.
A validade dessa estatística tem sido contestada e o número real pode ser inferior à metade desse valor.
No Brasil, 1,2 mil tonelada de canudos plásticos foi produzida em 2020, segundo dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Embora as estimativas sobre exatamente quantos canudos são usados a cada ano e quantos acabam no meio ambiente sejam difíceis de confirmar, o que está claro é que os canudos plásticos estão em toda parte.
Eles são encontrados em grande número na limpeza de praias em todo o mundo.
Foram encontrados perfurando o estômago de pinguins e até mesmo presos dentro da narina de uma tartaruga-oliva.
Um vídeo horrível deste último caso ficou particularmente gravado na minha memória.
Sou uma grande amante dos animais, por isso fui rápida em incentivar meus amigos a optarem por alternativas ao plástico. A maioria dos especialistas em resíduos plásticos com quem conversei considera este vídeo um grande catalisador para o movimento contrário aos canudos de plástico.
O ambientalista americano Milo Cress também merece algum crédito — em 2011, aos nove anos, ele divulgava a estatística dos 500 milhões de canudos por dia e deu início ao movimento Be Straw Free (“Livre-se do canudo”, em tradução livre).
A campanha acabou inspirando grandes empresas como Starbucks e McDonald’s a parar de usar canudos de plástico e Estados americanos inteiros como a Califórnia a proibi-los completamente.
No Brasil, até 2020, ao menos oito Estados já proibiam os canudos: Acre, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo.
Uma gota no oceano
Embora isso possa parecer um grande benefício para a sustentabilidade, ao observar mais de perto o impacto ambiental dos canudos plásticos, fiquei surpresa ao saber que trata-se de uma gota no oceano em comparação com outras poluições plásticas.
Caminhando na praia, os canudos plásticos são um dos tipos de lixo mais comuns que você verá — uma pesquisa recente realizada em uma praia na costa indiana de Gujarat, no Mar da Arábia, descobriu que eles representavam 9% do lixo ali.
Mas, na verdade, eles representam apenas uma pequena fração dos resíduos plásticos que chegam ao meio ambiente.
Embora os números variem de acordo com o método utilizado, vale a pena olhar para os dados colhidos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) no seu estudo Global Plastics Outlook.
Esse levantamento estima que cerca de 380 milhões de toneladas de resíduos plásticos sejam produzidas globalmente todos os anos, das quais cerca de 23 milhões de toneladas acabam no meio ambiente. Estima ainda que cerca de 1,7 milhão de toneladas acabam no oceano anualmente, embora outros estudos tenham colocado o número entre 4,8 e 12,7 milhões de toneladas.
Das 380 milhões de toneladas de resíduos plásticos produzidas, cerca de 43 milhões de toneladas vêm de produtos de consumo que incluem plásticos descartáveis da indústria de alimentos e bebidas. Aproximadamente 14 milhões de toneladas deste total, ou 3,7% do total de resíduos plásticos, são feitos de polipropileno, o principal material utilizado em canudos plásticos.
Nos oceanos, as redes de pesca estão entre as formas mais prevalentes de poluição plástica.
Um estudo publicado em 2018 descobriu que 46% do 1,8 bilhão de pedaços de plástico que se estima estarem na Grande Mancha de Lixo do Pacífico vêm de redes de pesca.
Então por que os canudos de plástico se tornaram um emblema do problema da poluição plástica, se o seu impacto é mínimo?
“O canudo tornou-se símbolo de uma escolha que um indivíduo pode fazer e que também tem impacto”, diz Erin Simon, vice-presidente de resíduos plásticos e negócios da WWF (World Wildlife Fund, ou Fundo para a Vida Selvagem, em tradução livre).
“E embora a gente saiba que não é tão simples assim, e que o problema vai muito além do uso de canudos plásticos, uma crise global como a da poluição por plástico só pode ser resolvida quando todos fizerem a sua parte.”
É claro que abandonar os canudos de plástico não resolverá o problema da poluição plástica, mas coloca o problema aos olhos do público.
“Atualmente, mais de 460 milhões de toneladas métricas de plástico novo são produzidas em todo o mundo anualmente, e esse número está aumentando ano após ano”, diz Jackie Nuñez, fundadora da ONG O Último Canudo de Plástico e gerente de engajamento da Coalizão contra a Poluição Plástica.
“A conversa sobre o plástico descartável e a poluição que ele causa é agora disseminada e global.”
O movimento contrário aos canudos de plástico ajudou a angariar apoio popular que acabou se transformando em ações de larga escala.
Em 2022, a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente começou a negociar um Tratado Global sobre Plásticos com 170 países, para abordar a questão da poluição plástica em nível mundial, e pretende implementá-lo até o final de 2024.
O ciclo de vida da poluição
Apesar do seu impacto ambiental relativamente pequeno quando comparado a outros tipos de plástico, os canudos tornaram-se um estudo de caso para o impacto que um plástico descartável pode ter ao longo do seu ciclo de vida.
Surpreendentemente, um estudo realizado por pesquisadores na Tailândia sugere que os canudos plásticos tradicionais feitos de polipropileno, apesar de serem feitos de combustíveis fósseis, têm uma pegada de carbono menor do que os canudos de bioplástico (ácido polilático ou PLA), que se supõe serem biodegradáveis.
Após avaliar as emissões de gases do efeito de estufa atribuíveis às matérias-primas, à produção e ao descarte dos canudos, os pesquisadores descobriram que os canudos de PLA produziam mais emissões devido à quantidade de terra necessária para cultivar e colher os materiais naturais utilizados na fabricação.
Outro estudo também descobriu recentemente que os canudos de PLA não são tão biodegradáveis como se pensava inicialmente.
A quantidade de gases de efeito estufa liberados durante o ciclo de vida dos canudos de papel foi estimada em algo entre o mesmo que os canudos plásticos e um quarto das emissões.
Um conjunto de avaliações do ciclo de vida realizadas por pesquisadores no Brasil em 2020 produziu resultados semelhantes, descobrindo que os canudos de papel têm um impacto ambiental relativo maior do que os de plástico.
Mais uma vez, o uso da terra necessário para a produção de matérias-primas — árvores — foi a principal razão. O estudo, no entanto, não levou em conta seu impacto na vida marinha, onde os pesquisadores admitiram que os canudos plásticos provavelmente teriam o maior impacto, já que os canudos de papel se degradam rapidamente na água.
É importante notar que, assim como os canudos de plástico, os canudos de papel normalmente não podem ser reciclados.
E uma avaliação do governo do Reino Unido também concluiu que os canudos de papel emitem mais gases de efeito estufa quando apodrecem em aterros sanitários em comparação com os canudos plásticos.
Descartáveis vs. Combustíveis fósseis
Inicialmente, abracei o movimento contrário ao canudo de plástico porque parecia uma ação concreta para a proteção da vida marinha.
Embora isso seja em parte verdade, de acordo com Shelie Miller, professora de sistemas sustentáveis da Universidade de Michigan, nos EUA, a maioria dos canudos acaba sendo incinerada ou jogada em aterros sanitários.
Uma vez depositados em aterros, os plásticos degradam-se lentamente, decompondo-se e transformando-se em microplásticos que podem ser liberados para o ambiente em geral ou mesmo produzir contaminação química potencialmente prejudicial. Mas a quantidade de gases de efeito estufa produzidos pelos canudos plásticos é relativamente baixa.
“[Evitar] uma viagem de carro totalizando 72,4 km é o equivalente [em emissões] a não usar garrafas plásticas de água por quatro anos”, diz Miller, que fez esses cálculos usando o Modelo de Redução de Resíduos da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês).
“A maioria de nós ficaria muito preocupada se jogássemos fora três quilos de plástico todos os dias, mas queimar um galão de gasolina é algo que fazemos sem pensar.”
Canudos reutilizáveis
Se você quiser continuar usando canudos – ou precisa deles devido a alguma deficiência – Nuñez sugere optar por canudos reutilizáveis e não plásticos.
Canudos de metal e vidro são muito mais seguros e resistem ao desgaste por mais tempo do que os de plástico, mas mesmo estes têm seus problemas.
De acordo com uma avaliação, um canudo de vidro é responsável por 44 vezes mais emissões de gases do efeito de estufa em comparação com um canudo de plástico, enquanto os canudos de aço inoxidável emitem 148 vezes mais.
Os canudos de bambu são melhores, mas ainda produzem 27 vezes mais dióxido de carbono do que os de plástico.
Outro estudo na África do Sul descobriu que seria necessário usar um canudo de vidro 23 a 39 vezes e um canudo de aço inoxidável 37 a 63 vezes para neutralizar o impacto ambiental que eles criam quando são fabricados e vendidos.
Felizmente, um canudo reutilizável bem feito servirá perfeitamente para centenas de reutilizações.
Outra grande vantagem que os pesquisadores observaram, porém, é que os canudos reutilizáveis não costumam parar no oceano.
Portanto, está longe de ser uma escolha simples.
As evidências científicas são variadas, dependendo de onde você procura os danos ao meio ambiente. Todos os especialistas com quem conversei disseram que é melhor recusar totalmente os canudos, se possível. Assim, você pode relaxar e saborear sua bebida.