POR GAUCHAZH
Autor dos best-sellers Mais Feliz e Ser Feliz, que foram traduzidos para mais de 25 idiomas, o psicólogo e escritor israelense Tal Ben-Shahar estreou sua disciplina sobre Psicologia Positiva em 2004 com uma turma de apenas oito estudantes na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Ao longo do tempo, a reputação do professor aumentou e hoje suas aulas atraem mais de mil inscrições anualmente, tornando-o uma referência quando o assunto é felicidade e bem-estar. Pela primeira vez em uma universidade brasileira, ele leciona, desde outubro, para alunos da pós-graduação online da PUCRS. Intitulada Psicologia Positiva: A Ciência da Felicidade, a disciplina trata de temas que Ben-Shahar aborda nesta entrevista: aspectos psicológicos de uma vida realizada, com tópicos que incluem autoestima, empatia, amizade, metas, realização, criatividade e humor.
O que é a felicidade?
Há muitas definições de felicidade. A que eu acho mais útil se baseia nas palavras de Helen Keller (escritora e ativista social norte-americana que é cega e surda), que escreveu: “Para mim, a única definição de felicidade é a totalidade”. Inspirado por ela, defino a felicidade como a experiência de bem-estar integral. Para ser mais amplo, combinando as expressões “pessoa como um todo” e “bem-estar”, felicidade é sobre a experiência de ser inteiro. Além disso, há a necessidade de dividir ainda mais o termo “integridade”, olhando para o bem-estar de indivíduos, grupos e sociedade, por meio de cinco elementos que vejo, juntos, constituírem uma pessoa inteira. Esses cinco tipos de bem-estares, que compõem o acrônimo spire, em inglês, são: espiritual, físico, intelectual, relacional e, finalmente, emocional. Essas não são verdades universais e absolutas que eu ou alguém recebeu em uma revelação divina. Pelo contrário, os cinco elementos spire provam ser construções úteis e pragmáticas.
Esses cinco elementos o senhor considera serem chaves para nos satisfazer em diferentes dimensões, com impacto no presente e também no futuro. Fale mais sobre o método spire, por favor.
A maioria das pessoas equivale a felicidade ao prazer, ao sentir-se bem. Enquanto não há uma definição correta de felicidade, todos nós temos direito à nossa própria. Minha definição inclui esses cinco elementos. Cada um fornece um caminho para a felicidade. Por exemplo, o bem-estar espiritual é sobre encontrar um sentido de propósito e estar presente. O bem-estar físico é sobre exercícios regulares, nutrição e descanso. O intelectual é alcançado quando se é curioso e se quer aprender profundamente. O relacional é sobre bondade e passar tempo de qualidade com amigos e familiares. O emocional é obtido lidando com emoções dolorosas e cultivando emoções agradáveis. Essas são algumas das maneiras de aumentar os níveis de felicidade.
Qual o conceito de psicologia positiva? Como ela pode melhorar a nossa abordagem em relação aos conflitos e às escolhas que encontraremos no futuro?
A psicologia positiva se centra na prosperidade, nos níveis individual e social, em tópicos como felicidade, autoestima, otimismo e alegria. Isso contrasta com o foco mais prevalente nas patologias – neurose, ansiedade e depressão. Além disso, a psicologia positiva se concentra principalmente no que realmente funciona, seja com indivíduos, relacionamentos e organizações. Por exemplo, a primeira pergunta implícita ou explícita de um conselheiro de casamento a um casal seria: “O que está errado com o seu relacionamento?”. Essa é uma pergunta importante, mas não é suficiente. Um psicólogo positivo perguntaria primeiro o que está funcionando no relacionamento. “Quais são os pontos fortes de cada um de vocês, e de vocês como um casal? O que vocês admiram um no outro?” Depois de estabelecer o que está funcionando, o conselheiro vai para a próxima etapa, que lida com o que não está bem. Ao começar com o que funciona, há maior chance de sucesso. Essas perguntas positivas não devem ser feitas apenas quando as coisas vão mal. Elas têm potencialmente caráter preventivo, para que se possa lidar melhor com as dificuldades inevitáveis que surgem ao longo do tempo. A mesma abordagem se aplica aos indivíduos e às organizações. Por exemplo, as perguntas de um behaviorista (o behaviorismo é uma teoria que estuda a psicologia pela observação do comportamento) treinado em psicologia positiva podem ser: “O que está funcionando na organização? O que funcionou? O que podemos aprender com isso?”. É uma boa forma para lidar com os desafios.
Quais são as referências nessa área da psicologia?
O pioneiro da psicologia positiva foi provavelmente Aristóteles, que falou sobre eudaimonia (conceito filosófico surgido na antiguidade, sobre as condições para o ser humano alcançar a felicidade baseada nos princípios da racionalidade), ou florescer. Mais recentemente, a primeira vez que foi explicitamente mencionada na literatura foi por Abraham Maslow, que, em 1954, escreveu um capítulo sobre a psicologia positiva. E, mais recentemente, Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, considerado o pai da psicologia positiva, que, em 1998, quando era o presidente da Associação Americana de Psicologia, basicamente fundou esse campo, criando uma rede de estudiosos que se concentrariam em pesquisar “o que funciona”.
A psicologia positiva se centra em tópicos como felicidade, autoestima, otimismo e alegria. Isso contrasta com o foco mais prevalente nas patologias – neurose, ansiedade e depressão. Ao começar com o que funciona, há maior chance de sucesso.
Por que estamos, historicamente, em busca daquilo que chamamos de felicidade? Que vazio é esse que nos coloca na procura incessante do sentido da vida, como um meio de tentarmos entender se estamos prontos para sermos felizes ou não?
É simplesmente da nossa natureza buscar a felicidade. Às vezes, é simplesmente pelo prazer; outras vezes é a busca de um sentido. E muitas vezes são as duas coisas juntas.
Como a psicologia positiva entrou em sua vida? Quando o senhor decidiu trabalhar nesse campo do conhecimento?
Inicialmente, o que fez me interessar no estudo da felicidade foi a minha própria infelicidade. Eu estava indo bem como um estudante de graduação em Harvard, era um atleta de ponta, tinha um trabalho bem remunerado e boas perspectivas profissionais. Mas estava infeliz. Então, percebi que as questões internas afetam mais os níveis de bem-estar do que as externas, e, a partir desse pensamento, entrei na psicologia. Depois de estudar psicologia positiva e me beneficiar dela, quis compartilhar com os outros o que aprendi.
O que mais o surpreendeu durante sua pesquisa a respeito da psicologia positiva?
Quando nos concentramos nos pontos fortes das pessoas, quando cultivamos a felicidade delas, estamos, de fato, indiretamente, também ajudando-as a lidar com as dificuldades. Portanto, não é necessário lidar diretamente com a ansiedade; podemos nos concentrar na força, e isso irá indiretamente nos ajudar a lidar com ansiedade. Não precisamos ir diretamente para as áreas problemáticas dentro de uma relação. É quando cultivamos o positivo em um relacionamento que, inadvertida e indiretamente, o negativo cai durante o caminho. Assim, a psicologia positiva nos ajuda diretamente a nos tornarmos mais felizes, contribuindo com a superação dos problemas.
Como podemos executar isso no dia a dia?
Vou te dar alguns exemplos específicos, exatamente. A chave número um do bem-estar e da felicidade é o tempo, tempo de qualidade, que passamos com a nossa família e os amigos, as pessoas que nos importam e que se importam conosco. Em nosso mundo moderno, infelizmente, esse tempo de qualidade está erradicando. É o que o psicólogo Tim Kasser chama de “abundância de tempo”. É quando temos tempo para sentar e conversar com nossos amigos, lado a lado – não estar no telefone ou mandando mensagens de texto. É estar, de fato, com essa pessoa. O exercício físico também contribui muito para a felicidade: há pesquisas que mostram que o exercício regular, três vezes por semana, por 30 a 40 minutos de exercício aeróbico, poderia ser uma caminhada ou mesmo uma dança, ajuda muito. Nós, como humanidade, nos tornamos uma cultura sedentária, estacionamos o nosso carro ao lado do nosso local de trabalho ou não andamos como os nossos familiares mais antigos costumavam fazer. Há milhares de anos, nossos antepassados caminhavam uma média de oito milhas (12 quilômetros) por dia. Até onde vamos hoje? Bem, depende de onde estacionamos o nosso carro. E, nós pagamos um preço alto por isso porque não fomos feitos para ser sedentários. Fomos forjados a sermos fisicamente ativos.
Não é incomum ouvirmos que vivemos na era em que uma pessoa ser bem-sucedida significa, em muitos casos, ter demandas que duram muito tempo do dia e levam ao estresse com o trabalho, ao mesmo tempo em que os momentos com a família e de relaxamento são mais raros, apesar de necessários. Como resolver esse dilema?
Hoje em dia, mais e mais pessoas estão se queixando do aumento dos níveis de estresse como um obstáculo para a felicidade. O que elas não percebem é que, na verdade, o estresse não é o problema, e pode realmente ser bom para elas. Pense na seguinte analogia: quando nos exercitamos na academia e “estressamos” nossos músculos, nós realmente ficamos mais fortes, se também damos aos músculos o tempo necessário para se recuperar, entre os treinos. Da mesma forma, o estresse fora da academia também pode nos tornar psicologicamente mais fortes se tivermos tempo para a recuperação. O problema no mundo de hoje não é o estresse, mas sim não se dar o tempo necessário para a recuperação. Quando introduzimos a recuperação regular em nossas vidas – através de jogos, meditação, exercício, tempo com amigos etc. – em vez de exaustão, nos sentimos cada vez mais fortes.
As pessoas costumam se queixar de falta de tempo. É correto dizer que havia mais espaço para a felicidade no passado porque as pessoas tinham mais tempo em suas vidas? Ter uma vida ocupada tornou-se uma desculpa para a falta de felicidade?
A falta de felicidade tem mais a ver com a ausência da recuperação dos períodos de estresse, com esse acúmulo e a falta de tempo entre esses períodos.
O senhor diz que “o fracasso é uma parte inevitável da vida e uma parte crucial de qualquer vida bem-sucedida”. Por que as pessoas têm tanto medo do fracasso?
O medo do fracasso é natural, mas para algumas pessoas esse medo é incapacitante, impede de agir ou tentar as coisas. É quando o medo do fracasso se torna um problema, uma barreira para aprender e crescer. Por que esse medo é tão dominante em algumas pessoas? Poderia ser por causa da educação – elas foram recompensadas por professores ou pais por sucesso e punidas ou ignoradas por fracasso. Para mim, a chave para os educadores é buscar se concentrar na jornada, e não no resultado; no esforço, e não no sucesso ou no fracasso.
Não é necessário lidar diretamente com a ansiedade; podemos nos concentrar na força, e isso irá indiretamente nos ajudar a lidar com ansiedade. Não precisamos ir diretamente para as áreas problemáticas dentro das relações. É quando cultivamos o positivo em uma relação que, inadvertida e indiretamente, o negativo cai durante o caminho.
O que o senhor pensa sobre os livros de autoajuda? Que papel eles cumprem na atualidade?
Até recentemente, o tema da felicidade, de melhorar a qualidade de nossas vidas, tem sido dominado pela “psicologia pop” (estratégias mentais que podem ou não ser cientificamente comprovadas). Em muitos dos seminários de autoajuda e livros que estão sendo oferecidos atualmente, há muita diversão e carisma, e relativamente pouca substância. Eles prometem cinco passos rápidos para a felicidade, os três segredos do sucesso, as quatro maneiras de encontrar o seu amante perfeito. Essas são geralmente promessas vazias, e, ao longo dos anos, as pessoas se tornaram cínicas sobre autoajuda. Do outro lado, temos a academia, com escrita e pesquisa, o que é substancial, mas que não se comunica com a maioria dos lares. O papel da psicologia positiva é construir uma ponte entre a ciência e as ruas, entre o rigor da academia e a diversão do movimento de autoajuda. Idealmente, esses tipos de livros precisariam se apoiar em pesquisas rigorosas e evidências.
A depressão é a doença que mais incapacita em todo o mundo, afetando cerca de 300 milhões de pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Como a depressão se encaixa no contexto da psicologia positiva? De que forma pode auxiliar nesse tão delicado tema?
O conceito de esperança importa muito. O que difere a depressão da tristeza é que ela é a tristeza sem esperança. Todos nós experimentamos tristeza às vezes – é natural, inevitável e até importante. No entanto, nós descemos para uma sensação de impotência e depressão quando perdemos a esperança.
Durante a pandemia, além do próprio vírus, a tristeza também parece ter se mostrado contagiosa. Um estudo realizado com 5 mil pessoas e publicado no British Medical Journal apontou que a alegria é um fenômeno coletivo que se propaga como uma emoção transmissível. Sendo assim, por que há a impressão de que a felicidade não se dissemina do mesmo modo que a tristeza?
Uma das barreiras têm a ver com as más notícias às quais estamos constantemente expostos. Os meios de comunicação não nos dizem quantas pessoas foram gentis ontem, mas sim quantas feriram outras. Ou seja, nos concentramos no negativo, que é a minoria, em vez do positivo, que é a maioria. Nossa mente recebe uma imagem distorcida da realidade e acaba sendo afetada por essa imagem.
Nos concentramos no negativo, que é a minoria, em vez do positivo, que é a maioria. Nossa mente recebe uma imagem distorcida da realidade e acaba sendo afetada por essa imagem.
Como redescobrir a felicidade após uma tragédia?
É muito difícil falar ou pensar sobre felicidade quando alguém experimentou uma tragédia. Na verdade, quando as pessoas realmente desmoronam, quando elas se dão permissão para serem humanas, seja chorando ou compartilhando suas emoções com os outros, são realmente muito mais propensas a superar uma tragédia. Também é importante dizer para si, internamente, “ok, vou passar por isto, vou ser forte, não vou deixar que essas emoções me tomem conta”. Pessoas que fazem isso conseguem lutam por períodos muito mais longos depois de a tragédia ter ocorrido. Precisamos dar à nossa mente, ao nosso corpo, às nossas emoções um tempo para curar. Precisamos deixar um curador natural entrar, deixarmos que siga seu curso em vez de suprimi-lo.
As aulas de seu curso sobre felicidade podem ser direcionadas às crianças?
Acho que devemos introduzir um currículo de felicidade desde o jardim de infância até os 120 anos. Por quê? Porque a felicidade é uma viagem. Quanto mais cedo começamos, melhor. No entanto, se começarmos mais tarde, ainda podemos aprender e ensinar muito.
No restante do mundo, o brasileiro é geralmente associado à felicidade, embora, na verdade, isso não seja assim tão verdadeiro – a identidade nacional é bem mais complexa do que essas definições simplistas. O que o senhor sabe sobre o Brasil e sua fama de povo feliz?
O Brasil deve se concentrar em seus pontos fortes, que são as relações calorosas, amáveis e de apoio. Esses tipos de relacionamentos, que fazem parte da cultura brasileira, são o sinal número um da felicidade.