POR O GLOBO
Era madrugada da véspera de Natal de 1983 quando uma grande caixa d’água comunitária desmoronou do alto do morro do Pavão-Pavãozinho sobre os barracos, destruindo tudo e matando 12 pessoas pertencentes a oito famílias. No dia seguinte, Yolanda Maltaroli foi até a localidade levar mantimentos e roupas para os desabrigados, e mais do que isso: amor e acolhimento. Nascia ali a ONG Solar Meninos de Luz, que completa 40 de existência neste Natal e é hoje um complexo educacional, em Copacabana, focado na educação integral e voltado especialmente para a população que vive em vulnerabilidade social.
São 430 crianças matriculadas do berçário ao ensino médio, que estudam de nove a dez horas diárias, com ensino formal, três refeições e acesso a mais de 40 oficinas complementares de artes e de esportes, além de preparação para o mercado de trabalho e apoio médico, dentário, psicológico e assistencial para suas famílias.
Para celebrar essas quatro décadas de história, a filha de Yolanda, a diretora e cofundadora da instituição Isabella Maltaroli, escreveu um livro de memórias chamado “Solar Meninos de Luz — 40 anos de testemunho do amor do Cristo”, que será lançado pela Damasco Editora em março de 2024, mês que seria o aniversário de Yolanda, falecida em 2018.
— É um presente de aniversário e com certeza ela estará muito feliz com essa forma de comemoração dos 40 anos: fizemos um auto de Natal em que foram aproveitados relatos do livro para recontar um pouco dessa trajetória que será reapresentada no lançamento da obra. Temos depoimentos de pessoas que viveram essa tragédia e o início todo do Solar Meninos de Luz, e que vivem até hoje cada momento conosco — explica.
Isabella conta que o livro foi escrito durante a pandemia e tem relatos de casos engraçados e grandes desafios.
— As pessoas diziam que eu precisava registrar essa história, por ter vivido tudo desde o inicio. Então resolvi aproveitar a pandemia e, ao longo de três anos, peguei na caneta, sim, porque sou professora, e escrevi essas memórias. Tudo foi vindo como um cineminha na minha cabeça. É uma obra feita com muito amor. Temos o hábito de incentivar o trabalho solidário, então muitas pessoas e empresas foram juntando os seus esforços para que hoje o Solar Meninos de Luz seja essa grande referência de educação integral — conta.
No livro e ao longo dos 40 anos da ONG, não faltam histórias de vidas transformadas. Uma delas é a de Manuella Bacelar, de 31 anos. Ela se formou em Relações Internacionais pela Universidade Estácio de Sá com bolsa integral, oriunda da parceria da universidade com o Solar, e hoje cursa à distância um MBE em Responsabilidade Social e Terceiro Setor, na UFRJ. Atualmente, Manuella mora nos Estados Unidos. Trabalha como assessora de ONGs para captação de recursos e, paralelamente, como educadora infantil.
— Minha história com o Solar Meninos de Luz começou quando eu tinha apenas 3 meses de idade e se perpetua. No Solar, quando criança, fiz diversas atividades, como percussão, coral, cozinha experimental, fotografia e inglês, o que, sem dúvida, me trouxe até onde estou hoje e abriu diversas portas profissionais, assim como me ajudou a desenvolver capacidades como ser humano que até então eram limitadas pelo lugar onde cresci e vivi grande parte da minha vida.
Manuella acrescenta que conduziu sua trajetória profissional pensando em retribuir tudo o que um dia foi oferecido a ela por meio do Solar:
— Tenho muito orgulho do lugar de onde vim, da escola onde estudei e de onde estou. Quebrei barreiras e me tornei, ao 24 anos, membro do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas em prol da educação, sou embaixadora do Solar Meninos de Luz. Quero passar para a frente o que recebi a vida inteira, para que outras crianças tenham as mesmas oportunidades incríveis e, com sabedoria, possam abraçar as portas que se abrirem pelo caminho.