POR BRASIL DE FATO
Diante da complexidade dos sistemas alimentares no país e no mundo, e do poder das megacorporações, os movimentos populares brasileiros, mais uma vez, assumem o papel de protagonistas no combate à fome. O propósito é alimentar 5 milhões de pessoas a partir de sistemas alimentares de base familiar, camponesa, agroecológica, solidária e com o estabelecimento de circuitos curtos de abastecimento. Esta é a missão que leva o nome de Josué de Castro.
A missão, anunciada durante a plenária de encerramento da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar, que aconteceu em Brasília (DF), entre os dias 11 e 14 de dezembro, tem por objetivo alimentar a população e a construção de força social, política e intelectual.
Reúne o Movimento do Pequenos Agricultores, (MPA), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a Central de Movimentos Populares (CMP), a Federação Única de Petroleiros (FUP), o Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e outras organizações sindicais e populares na defesa da agroecologia e do abastecimento popular de alimentos. Também busca a união do campesinato, dos povos e das comunidades indígenas e tradicionais às massas populares urbanas como protagonistas das lutas e soluções sociais e políticas.
“Anunciamos a Missão Josué de Castro como elemento articulador da transição agroecológica, do abastecimento popular e do acesso a comida de verdade para 5 milhões de brasileiros e brasileiras”, informa Anderson Amaro, da direção nacional do MPA e responsável pelo anúncio da Missão durante o evento.
Amaro, ao lado de representantes do MAB, da ANA e do MTST, apresentou o esforço e o pioneirismo destas organizações na construção de saídas para a fome nos últimos anos e a necessidade da união de esforços populares para o combate a uma realidade persistente para milhões de brasileiros e brasileiras.
O 2º Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, feito pela Rede Penssan, revelou 33,1 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave, ou seja, mais de 15% da população. Já se for levado em consideração o corte estatístico entre a condição moderada à grave, mais da metade da população brasileira está inserida no contexto da insegurança alimentar.
Durante a Conferência, o governo federal anunciou medidas importantes para fortalecer os sistemas alimentares: a Política Nacional de Abastecimento Alimentar que dispõe sobre o Plano Nacional de Abastecimento Popular, a Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades e o decreto sobre os princípios, os objetivos, os eixos estratégicos e as diretrizes que orientam as ações de promoção da alimentação adequada e saudável no ambiente escolar.
Porém, na opinião dos movimentos, o grande desafio é garantir força política para que tais medidas recebam orçamento suficiente atingindo a quem mais precisa. “Compreendemos que o combate à fome é uma opção política que só se mantém com organização social e um propósito, os movimentos populares se organizam para impulsionar o combate à fome.”
Plataforma para enfrentar a fome
Com o objetivo de alimentar 5 milhões de brasileiros e brasileiras, Amaro exemplifica que a ideia surgiu de debates entre os movimentos que compõe a Missão Josué de Castro, que diante da emergência da fome no Brasil, articularam a construção de uma plataforma de enfrentamento a essa realidade.
“Realizamos estudos e analisamos as capacidades de nossas organizações do campo e da cidade, da produção ao consumo, por isso estamos convocando para o que chamamos de Missão Josué de Castro.”
Para Fernando Campos Costa, coordenador nacional do MTST, as ações do governo federal precisam colocar os movimentos populares como porta de entrada para as políticas públicas. “A ação com o governo tem de mostrar a importância dos movimentos como referência nas comunidades, nos territórios, é preciso apoiar as iniciativas populares que foram determinantes para resgatar a democracia no país.”
Para Costa, “a gente vive um momento em que as pessoas não sabem de onde vêm as coisas, que elas são conquistas, por isso precisamos construir um processo de formação política para que as pessoas consigam entender a importância da participação, do envolvimento, e que a fome é resultado de um projeto que tem intencionalidade”.
A Missão Josué de Castro
Segundo os movimentos populares que se somam à tarefa, a articulação de uma ampla rede popular de abastecimento e acesso alimentar; a construção de infraestrutura produtiva, de processamento e integração logística; a transição energética e carbono positivo; capacitação e inovação social e tecnológica; a elaboração e efetivação de uma estratégia de comunicação, cultura e arte; e a eficiência na gestão e governança, são ações que estruturam a missão.
Nascido no Recife, cidade do nordeste brasileiro, ainda nos primeiros anos de vida, Josué de Castro teve contato com o objeto de seus trabalhos de cientista e de escritor – problema da fome. O cientista comprovou que a fome é resultado da condução econômica, das decisões políticas e da dominação de classe. Ele escolheu o método geográfico para analisar a realidade da fome no país. Ao escrever seu principal livro, a Geografia da Fome, dedicou-o a dois escritores, Rachel de Queiroz e José Américo de Almeida, romancistas da fome no Brasil. A obra também é dedicada à memória de Euclides da Cunha e Rodolfo Teófilo, sociólogos da fome no Brasil.
“E é no Brasil de 2023, que os movimentos populares se inspiram em seu método e se utilizam da geografia e da territorialidade para redesenhar novos sistemas alimentares, orientados pela bandeira da Soberania Alimentar”, destaca Amaro.