POR METEORED TEMPO
O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil e abrange quase 24% do território brasileiro. Com cerca de 40% da área sendo composta por paisagens abertas, este bioma funciona como um grande coletor de água. Mas um estudo publicado recentemente mostrou que as bacias hidrográficas do Cerrado estão secando rapidamente, e também as consequências da mudança do uso do solo no bioma
As bacias hidrográficas do Cerrado estão secando e perdendo sua capacidade de abastecer alguns dos principais rios do Brasil, como o Madeira entre os estados de Rondônia e Amazonas, Paraná, Araguaia, Tocantins, Xingu e o São Francisco, entre a Bahia, Pernambuco e Sergipe. O fenômeno é resultado de uma combinação de fatores, em grande parte, relacionados à diminuição do volume de chuvas e ao aumento da perda de água no solo por evaporação e pela transpiração das plantas (evapotranspiração).
A equipe de pesquisadores, sob orientação do engenheiro agrônomo Rodrigo Manzione, analisou dados de satélites coletados ao longo das últimas duas décadas sobre os regimes de chuvas, as perdas de água pela evapotranspiração e as variações na temperatura do solo nas regiões onde estão localizadas 13 bacias hidrográficas do Cerrado.
Os resultados constataram uma redução nas chuvas em todas as regiões do Cerrado nos últimos 20 anos, uma queda bastante expressiva. Por exemplo, enquanto o acumulado médio de chuva geral em 2001 foi de aproximadamente 1.400 mm, em 2019 o índice estava em cerca de 1.000 mm. Acredita-se que o problema começou a aparecer entre 2005 e 2008, e de lá pra cá, só tem se intensificado!
Além disso, o bioma já enfrenta os impactos das mudanças climáticas. Atualmente, a temperatura média do Cerrado durante os meses de estiagem está entre 2,2 °C e 4°C mais quente do que nos anos 1960, facilitando a ocorrência de incêndios devastadores. A diminuição dos regimes de chuva no Cerrado está relacionada a eventos climáticos, como mostrado em um artigo publicado na Scientific Reports.
As evidências indicam que a expansão e intensificação do Anticiclone do Atlântico Sul sobre o Cerrado parece ser um mecanismo que tem levado à diminuição das precipitações. Este sistema é responsável por deslocar o ar para latitudes mais baixas e torna a atmosfera mais quente e seca, dificultando a formação de chuva. Além disso, também é possível que o avanço das pastagens e das lavouras em detrimento da vegetação original tenha alguma influência na redução das chuvas.
A mudança do uso do solo está afetando a segurança hídrica do Cerrado!
Em 36 anos, o Cerrado perdeu quase 20% do que restava de sua vegetação original. De 1985 a 2020, cerca de 25,6 milhões de hectares deram lugar a novas áreas de criação de gado e produção em larga escala de algumas das principais culturas agrícolas. Estes dados são oriundos do Mapbiomas no ano de 2021.
As plantas de monocultura são de crescimento rápido e seu metabolismo é mais acelerado do que o de florestas nativas, ou seja, elas consomem mais água armazenada do subsolo, impactando a quantidade de água que chega aos rios por meio do escoamento superficial ou infiltração.
A combinação de mudanças no uso do solo, cobertura vegetal e na demanda por água levou a uma redução na segurança hídrica na região. E com menos chuvas, os agricultores aumentam a irrigação das lavouras usando justamente a água subterrânea dos rios.
O conceito de segurança hídrica diz respeito ao acesso sustentável à água em quantidade suficiente para atender as necessidades de uma comunidade. Uma das alternativas para mitigar o problema seria investir na recuperação de pastagens degradadas para expansão de lavouras, em vez de abrir novas áreas com desmatamento de florestas, e ampliar práticas sustentáveis.
Referência da notícia:
Silva, C., Manzione, R.L. & Caldas, M.M. Net water flux and land use shifts across the Brazilian Cerrado between 2000 and 2019. Reg Environ Change 23, 151 (2023).