POR O GLOBO
Um estudo da Transparência Internacional divulgado nesta sexta-feira constatou a necessidade de aprimoramento da transparência sobre a execução de contratos e riscos socioambientais da pavimentação da BR-319. A rodovia conecta Manaus, no coração da Floresta Amazônica, a Porto Velho, no “arco do desmatamento”. Construída durante a ditadura militar, no início dos anos 1970, a estrada foi abandonada na década seguinte e costuma ficar intransitável entre dezembro e maio por conta do lamaçal do período chuvoso. Em novembro, um grupo de trabalho foi criado pelo governo federal para estudar o assunto.
O diagnóstico indica baixos níveis de transparência em quatro das cinco fases da contratação. Foram identificadas ausência de consultas livres, prévias e informadas à população impactada; fragilidade de informações sobre a execução dos contratos; e falta de informação ampla sobre o licenciamento ambiental.
A pesquisa é uma parceria com o Observatório da BR-319 — rede formada por organizações da sociedade civil que atuam na área de influência da via, que compreende 13 municípios, 42 Unidades de Conservação e 69 Terras Indígenas.
— Para garantirmos a realização íntegra, transparente e sustentável das obras na rodovia, é urgente a organização e oferta de informações sobre as decisões relativas às obras na BR-319, além da ampliação do diálogo e consulta aos povos e comunidades afetados pela rodovia — avalia Amanda Faria Lima, analista de integridade e governança pública da Transparência Internacional – Brasil.
O estudo aponta que o pior desempenho (nota 0, numa escala de 0 a 100) foi em relação às consultas livres, prévias e informadas aos povos da floresta e a todos os grupos e comunidades potencialmente afetados pela construção da BR-319. A obrigatoriedade é prevista pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Constituição Brasileira.
A ONG avalia que o único quesito a receber a classificação “média” foi a transparência na fase externa da licitação (46,4). O relatório certifica que foi possível identificar informações como homologações das licitações e atas das reuniões das comissões de licitações no portal do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e no contratos.gov.
Em contrapartida, a Transparência Internacional diz que não estão disponíveis informações como o parecer técnico dos órgãos envolvidos quanto ao licenciamento ambiental e extrato do contrato.
Obra preocupa ambientalistas
A pavimentação do trecho do meio da rodovia, única conexão terrestre da capital do Amazonas com o restante do país, preocupa pesquisadores. Com cerca de 900 quilômetros de extensão, a BR-319 foi definida como inviável “economicamente e ambientalmente” pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em sessão da CPI das ONGs do Senado em novembro. O projeto foi incluído Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pacote de medidas de infraestrutura prioritárias do Executivo.
A reforma tem como principal entusiasta um integrante de um partido da base, mas bolsonarista, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União), ao lado de parlamentares do estado. O argumento dos defensores da obra é a necessidade de reduzir o isolamento dos moradores de Manaus.
Ambientalistas ouvidos pelo GLOBO demonstram preocupação pelos elevados impactos que o asfaltamento pode causar em uma das regiões mais bem preservadas do bioma. Um dos pontos levantados foi a possibilidade de crescimento do risco de zoonoses (doenças infecciosas transmitidas dos animais para os seres humanos), abrindo, inclusive, precedentes para uma nova pandemia.
Além disso, pesquisadores apontam que a pavimentação da rodovia visa a facilitar o acesso a áreas de exploração de petróleo e gás. Em 13 de dezembro, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) vendeu os direitos de exploração em 602 áreas, sendo 21 delas na bacia amazônica, acessadas por meio da BR-319 e de estradas secundárias.
Na semana seguinte, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental da obra e cria a possibilidade de uso de verbas do Fundo Amazônico — destinado a proteger a floresta tropical — no empreendimento.